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O instituto do juiz de garantias como um aperfeiçoamento do sistema de justiça penal brasileiro e do


Ano III, v.3, ed. 2, set./ dez. 2023. DOI: 10.51473/ed.al.v3i2.791 | submissão: 26/11/2023 | aceito: 28/11/2023 | publicação: 30/11/2023


O instituto do juiz de garantias como um aperfeiçoamento do sistema de justiça penal brasileiro e do processo penal


Sérgio Alves Teixeira Júnior


RESUMO

O estudo tem como objetivo analisar o Instituto do Juiz de Garantias como um aperfeiçoamento do sistema de justiça penal brasileiro e do processo penal, investigando como sua implementação influencia a imparcialidade, a celeridade e a proteção dos direitos fundamentais dos envolvidos. Realizou-se um estudo bibliográfico, descritivo e de abordagem qualitativa, tomando como base pesquisas realizadas sobre o assunto, dentre livros e artigos. O juiz das garantias foi demonstrado como uma forma de fortalecer o sistema acusatório brasileiro, porém, esbarrou em vícios formais e materiais que tornaram sua implementação neste momento, os quais: violação da Constituição Federal de 1988 por vícios de competência e iniciativa legislativa; violação ao pacto federativo; violação aos princípios do juiz natural, da isonomia e da segurança jurídica; violação ao art. 169, §1º, da Constituição Federal de 1988, pelo necessário aumento de despesas, sem correspondente previsão orçamentária. Os vícios levaram à suspensão desse órgão jurisdicional por tempo indeterminado.

Palavras-Chave: Estado Democrático de Direito. Pacote Anticrime. Juiz das Garantias.


ABSTRACT

The study aims to analyze the Institute of the Judge of Guarantees as an improvement to the Brazilian criminal justice system and criminal procedure, investigating how its implementation influences impartiality, expeditiousness, and the protection of the fundamental rights of those involved. A bibliographic, descriptive, and qualitative approach study was conducted, based on research conducted on the subject, including books and articles. The Judge of Guarantees was shown as a way to strengthen the Brazilian accusatory system; however, it encountered formal and material defects that hindered its implementation at this time, including: violation of the Federal Constitution of 1988 due to competency and legislative initiative defects; violation of the federal pact; violation of the principles of the natural judge, equality, and legal certainty; violation of Article 169, §1 of the Federal Constitution of 1988, due to the necessary increase in expenses without corresponding budgetary provision. These defects led to the indefinite suspension of this jurisdictional body.

Keywords: Democratic Rule of Law. Anti-Crime Pack. Warranty Judge.


1 INTRODUÇÃO


O presente estudo discute a figura do juiz das garantias no Código Penal brasileiro, introduzida pela Lei n. 13.964/2019, mais conhecida como Pacote Anticrime. O tema em questão tem dividido opiniões e já acumula Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) a serem debatidas, o que chama atenção ao assunto, atual e relevante por envolver a imparcialidade do juiz e a consequente garantia dos direitos fundamentais durante o processo penal.

O Brasil configura-se como um Estado Democrático de Direito e como tal deve respeitar as garantas fundamentais, com a imparcialidade do juiz se caracterizando como premissa básica. De acordo com Ferrajoli (2002), a certeza ou verdade jurídica por mais plausível que seja deve respeito à máxima de que ninguém será punido se houver a incerteza mesmo que custe deixar algum culpado impune.

Considerando que a busca pelo ponto de equilíbrio entre a concretização de um processo penal eficiente e o respeito às garantias fundamentais é o desafio atual que deve reger e nortear as decisões judiciais, verifica-se a necessidade de refletir sobre constitucionalidade do juiz das garantias no sistema processual brasileiro. Para Lopes Júnior (2020), não há como legitimar o processo penal sem democratizá-lo, com o atual Código de Processo Penal indo de encontro com a própria Constituição Federal do Brasil, enquanto deveria ser constituído a partir dela.

Para Badaró (2011, p. 36), o processo penal somente pode ser considerado como “devido processo penal”, se for desenvolvido “perante o juiz natural, em contraditório, assegurada a ampla defesa, com atos públicos e decisões motivadas, em que ao acusado seja assegurada a presunção de inocência, devendo o processo se desenvolver em um prazo razoável”.

Dentre os tantos retrocessos trazidos pelo Pacote Anticrime, portanto, chama-se atenção neste estudo para a inclusão do juiz de garantias, entendendo que a imparcialidade do juiz é uma exigência constitucional, com a separação entre as fases devendo ser efetiva, principalmente quando já se tem a prevalência de um inquérito policial onde já é mitigado o princípio do contraditório e da ampla defesa dos acusados.

Diante do exposto, levanta-se o seguinte questionamento: Como o Instituto do Juiz de Garantias afeta o sistema de justiça penal brasileiro e o processo penal, considerando seus impactos na imparcialidade, na celeridade e na proteção dos direitos fundamentais dos envolvidos?

Nesse sentido, o estudo tem como objetivo analisar o Instituto do Juiz de Garantias como um aperfeiçoamento do sistema de justiça penal brasileiro e do processo penal, investigando como sua implementação influencia a imparcialidade, a celeridade e a proteção dos direitos fundamentais dos envolvidos.


2 PROCESSO PENAL BRASILEIRO E O GARANTISMO JURÍDICO


O atual Código de Processo Penal (CPP) vigente no Brasil, Decreto-Lei n. 3.689, promulgado em 3 de outubro de 1941, mais de 40 anos antes da promulgação da Constituição Federal do Brasil, o que já traz um entendimento prévio de que não poderia ser capaz de atender aos atuais preceitos constitucionais. Assim, pode-se dizer que a base do Processo Penal brasileiro está em lei elaborada e publicada antes da atual Constituição Federal vigente.

Considerando que a busca pelo ponto de equilíbrio entre a concretização de um processo penal eficiente e o respeito às garantias fundamentais é o desafio atual que deve reger e nortear as decisões judiciais. Para Prado (2015), a partir deste código vigente, o que se percebe no Brasil é a ausência de um verdadeiro modelo garantista, com a prova penal sendo mais utilizada para justificar as condenações que mais parecem cumprir aquelas preditas pela mídia tradicional ou pela retórica do senso comum. Conforme Carvalho, Silva e Pinheiro (2013), no garantismo jurídico o Estado não é visto como um fim em si mesmo, e sim como aquele que possui como finalidade: proteger e garantir os direitos fundamentais da sociedade.

O viés autoritário perceptível no âmbito da justiça criminal brasileira é destacado por Prado (2015) como consolidado historicamente na cultura pátria, podendo ser considerado como a base da situação crítica em que se encontra a teoria e a prática penal na atualidade. De acordo com o autor, esses padrões autoritários podem ser explicados pela inspiração do legislador no fascista Código Rocco, vigente na Itália em 1930.

Bobbio (2004, p. 53), ao tratar da teoria do garantismo jurídico de Luigi Ferrajoli, aduz que se trata de uma teoria que tem como fundamento a tutela da liberdade dos cidadãos frente às formas de exercício arbitrário do poder. Assim, a teoria de Ferrajoli visa o estabelecimento de limites e de vínculos não só com o poder público, mas também com o poder privado, tendo como propósito uma democracia substancial.

Assim, tem-se uma teoria que visa garantir a concretização da Constituição Federal, sendo realizada a limitação e a vinculação de qualquer que seja o poder, não se baseando mais apenas nas formas, mas também nos conteúdos de direito. Carvalho, Silva e Pinheiro (2013, p. 44) afirmam que no garantismo jurídico o Estado não é visto como um fim em si mesmo, e sim como aquele que possui como finalidade: proteger e garantir os direitos fundamentais da sociedade.

O papel proeminente desempenhado pelos juízes de civil law na instrução probatória assenta-se na premissa de que um processo justo pressupõe a formulação de uma decisão fundada na verdade mais aproximada possível dos fatos. Ao juiz cabe zelar pelo cumprimento das formalidades legais que viabilizará parâmetros para a decisão (TOURINHO FILHO, 2009).

O próprio Superior Tribunal de Justiça reputa válida a intermediação do juiz nas perguntas formuladas pelas partes. Não importa o que a lei dispõe; a ênfase nos poderes judiciais permanece viva na mentalidade de civil law. Persiste como regra, no processo penal, a inquirição livremente procedida pelo juiz, a quem é permitido formular as perguntas que julgar adequadas para esclarecer os fatos relevantes ao caso (TOURINHO FILHO, 2009).

Dessa forma, os limites impostos ao juiz e os princípios que balizam o processo e as investigações dele decorrentes são os responsáveis pelo garantismo jurídico. Cabe citar inicialmente que o poder de decisão democrática precisa estar amparado nos aspectos da legitimidade, uma vez que a decisão não é soberana mediante a vontade das maiorias ou a partir da escolha de um Estado poderoso, onde há a mera escritura prévia de direitos processuais unicamente teorizados.

3 O CONTRADITÓRIO E A AMPLA DEFESA


Parte-se do entendimento de que a solução de conflitos pela justiça deve ser realizada sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, previstos no artigo 5 da Constituição Federal de 1988 como parte do ciclo de garantias processuais. Segundo Lopes Jr. (2012), o contraditório é definido como “um método de confrontação da prova e comprovação da verdade [...] É imprescindível para a própria existência da estrutura dialética do processo” (LOPES JR., 2012, p. 239).

O princípio da ampla defesa está também resguardado no mesmo artigo 5, inciso LV e se assenta no princípio do contraditório, sem o qual não se realiza, pois este informa que ninguém pode ser considerado culpado se não for antes ouvido. Segundo Avena (2011):


Apesar desse princípio vir expresso pela fórmula “ampla defesa”, seu raio de aplicação não se limita exclusivamente a beneficiar o réu, posto que visa também favorecer outros sujeitos da relação processual. Sendo assim, não é errôneo dizer que a ampla defesa constitui direito que protege tanto o réu quanto o autor, bem como terceiros juridicamente interessados. Diante disso, é forçoso reconhecer que somente haverá ampla defesa processual quando todas as partes envolvidas no litígio puderem exercer, sem limitações, os direitos que a legislação vigente lhes assegura, dentre os quais se pode enumerar o relativo à dedução de suas alegações e à produção de prova. (ALMEIDA, 2002, p. 5).


Segundo Nucci (2009), o sistema de provas tem limites naturais, entre a razão e a lógica e pose se lastrear em credibilidade experimental e cientificamente demonstrada, mas os fatos impossíveis ou impertinentes não gozam de presunção legal absoluta. Assim, segundo Nucci (2009), há lesão ao contraditório e, portanto, à ampla defesa, pois a outra parte não possui instrumentos jurídicos para contrariar a prova ou oferecer a contraprova. Para Greco (2009 p. 541):


[...] o contraditório eficaz é sempre prévio, anterior a qualquer decisão, devendo a sua postergação ser excepcional (…). Os juízes devem assegurar o contraditório prévio, porque contraditório postergado é contraditório nenhum, é uma tentativa de reequilibrar um processo já desequilibrado, no qual a desigualdade prevaleceu. O juiz ao assegurar o contraditório a posteriori estará procurando remediar um mal que já foi feito.


Nesse contexto, levando pela mesma afirmação, Lopes Jr. (2012) relaciona, ainda, ao contraditório e à ampla defesa o princípio da presunção da inocência, o qual indica qual é o dever de tratamento do processo penal, mas ele não está positivado, é pressuposto da condição humana.

De acordo com Silva (2017), o processo penal deve ter como base os princípios decorrentes da Constituição Federal, os quais: ampla defesa, contraditório, fundamentação das decisões e um terceiro imparcial, com estes configurando-se como uma base principiológica uníssona, ou seja, que cabe a todo e a qualquer processo, independentemente de sua seara. Além disso, enquanto um processo acusatório, não deve ter como finalidade a verdade, mas sim, uma retrospecção do ocorrido, tendo ciência que não é possível alcançar a reprodução fiel dos fatos.

Como características do sistema acusatório, Cunha (2020) cita as principais características de um sistema acusatório:


a) Separação dos órgãos da acusação, defesa e julgamento, de forma a se instaurar um processo de partes; b) liberdade de defesa e igualdade de posição das partes; c) vigência do contraditório; d) livre apresentação das provas pelas partes; e) regra do impulso processual autônomo, ou ativação inicial da causa pelos interessados (ne procedat judex ex officio) (CUNHA, 2020, p. 69).


Ao considerar o princípio do contraditório e da ampla defesa para refletir sobre o juiz das garantias, surge o questionamento sobre uma possível lesão a esse princípio. De acordo com Cunha (2020), o Pacote Anticrime reforçou o sistema acusatório predominante no sistema de processo penal brasileiro, com cada sujeito processual apresentando uma função bem definida, cabendo ao juiz o dever de julgar, devendo ser imparcial ao caso, lembrando-se que o Código de Processo Penal veda a iniciativa do juiz na fase de investigação, conforme é possível melhor compreender no tópico a seguir.


4 A IMPARCIALIDADE DO JUIZ COMO PRINCÍPIO DO PROCESSO PENAL


A imparcialidade do juiz é premissa básica do processo penal brasileiro, sendo considerada como um princípio. Destaca-se o princípio do juiz natural que, de acordo com Nicolitt (2019, p. 412), “decorre da necessidade de se assegurar um julgamento por um juiz independente e imparcial. Por tal razão, a Constituição procedeu à vedação de tribunais de exceção (art. 5º, XXXVII) e à proibição de escolha de juízes (art. 5º, LIII)” (NICOLITT, 2019, p. 412).

A imparcialidade do juiz, de acordo com Zaffaroni (1995), deve ser entendida como de decorrência lógica do devido processo legal e do Estado Democrático de Direito, todavia, não deve ser confundida com neutralidade, visto que sua compreensão de mundo continua presente, não há como despir-se de todas as suas convicções pessoais. O autor afirma que a imparcialidade do juiz é um princípio constitucional implícito.

O princípio da livre apreciação judicial da prova determina que o juiz está apto a avaliar as provas, de modo a se convencer da veracidade ou falsidade das alegações no caso sub judice. Deste modo, o juiz pode formar sua convicção tanto pelas provas apresentadas pelas partes como também pelos fatos ocorridos no trâmite do processo, inclusive a conduta processual das partes. No processo judicial há pelo menos duas partes e uma delas é o juiz, e este deve ser imparcial, constituindo o princípio do contraditório no qual o magistrado não pode julgar determinada questão sem disponibilização das razões da parte adversa.


A primeira aproximação ao conceito de imparcialidade se concentra na exigência de que o juiz não seja parte no processo, e sim um terceiro fora da disputa: um terceiro que não é parte no conflito e ocupa uma posição transcendente com relação às partes. Junto com isso, ressalta-se que a imparcialidade exige que o juiz, em sua decisão, não tome partido em favor de nenhuma das partes. Isto significa que não tenha relações com nenhuma das partes e que não realize atos que revelem uma posição prévia em relação ao assunto chamado a decidir (SANTOS, 2019, p.14).


O entendimento correto sobre a imparcialidade do juiz perpassa pelo afastamento do juiz das atividades de investigação e de instrução, devendo limitar-se ao exame das provas, não se posicionando como parte interessada do processo, mas sim, como um terceiro imparcial, que julga cada caso com base no que lhe é apresentado.


[...] a participação do juiz não o transforma em um contraditor, ele não participa “em contraditório com as partes”, entre ele e as partes não há interesse em disputa, ele não é um “interessado”, ou “contra-interessado” no provimento. [...] o contraditório se desenvolve “entre as partes”, porque a O contraditório e a imparcialidade como elementos do processo penal constitucional disputa se passa entre elas, elas são as detentoras de interesses que serão atingidos pelo provimento. O juiz, perante os interesses em jogo, é terceiro, e deve ter essa posição para poder comparecer como sujeito de atos de um determinado processo e como autor do provimento. [...] Investido nos deveres da jurisdição, o juiz não entra no jogo do dizer-e-contra-dizer, não se faz contraditor. Seus atos passam pelo controle das partes, na medida em que a lei lhes possibilita insurgir-se contra eles. (BADARÓ, 2011, p. 344).


Os princípios processuais não são meros conjuntos de tramites burocrático, mas um rigoroso sistema de garantias visando assegurar a justa e imparcial decisão. O Tribunal deve analisar as circunstâncias fáticas com o mesmo grau de cognição empreendido pelo Juízo originário, sob pena de violação do princípio da ampla defesa. A responsabilidade de quem responsabiliza seus semelhantes merece cautela, e não se pode fazer da ordem pretexto para a injustiça (LYRA, 2015).

O órgão julgador do recurso de apelação deve pautar suas decisões na máxima efetivação dos direitos e garantias individuais, assim como o magistrado de primeiro grau, e quando este falhar deve aquele suprir a deficiência probatória, ainda que na fase recursal, buscando assim evitar condenações indevidas e assegurando decisões mais justas e legítimas (CARNELUTTI, 2017).


5 PACOTE ANTICRIME E O JUIZ DAS GARATIAS


O juiz das garantias é uma figura nova no sistema processual penal brasileiro, instituída com o intuito de reforçar o sistema acusatório no país, enquanto órgão jurisdicional que tem como missão o acompanhamento de diversas etapas da investigação, responsabilizando-se pelo controle da legalidade da investigação criminal, bem como por resguardar os direitos individuais. O intuito de sua criação foi de distanciar o juiz de instrução da fase anterior, o que garantiria uma maior imparcialidade do processo (CUNHA, 2020).

Apesar da boa intenção que pode ser lida em sua definição e competência, tem sido alvo de polêmicas, tanto que está atualmente suspenso por tempo indeterminado, sendo identificadas quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) denunciando vícios formais e materiais nos artigos que criam o referido órgão, as quais: 6298 DF, 6299 DF, 6300 DF e 6305 DF, todas tendo como relator o Ministro Luiz Fux.

De acordo com Maya (2018), o que o juiz das garantias traz de inédito no sistema processual penal, na verdade, foi o rompimento obrigatório entre as fases de persecução penal, isso porque, antes somente não era previsto impedimento de que o juiz da fase de investigação fosse o mesmo da fase de instrução.

Cunha (2020) chama atenção que o juiz das garantias, apesar de atuar na fase de investigação criminal, não deve ser confundido com um juiz investigador, devendo ser absolutamente inerte à persecução criminal, sob pena de quebra da imparcialidade objetiva. De acordo com o autor, a maioria das críticas não são voltadas para a existência de um juiz de garantias em si, mas à incompatibilidade desse órgão jurisdicional à realidade de muitos Tribunais Federais e Estaduais do país, já que 40% são constituídos como comarca única.

Em análise às ADI impetradas contra o juiz das garantias foram verificadas os seguintes fundamentos: 1 - violação da Constituição Federal de 1988 por vícios de competência e iniciativa legislativa; 2 - violação ao pacto federativo; 3 - violação aos princípios do juiz natural, da isonomia e da segurança jurídica; 4 - violação ao art. 169, §1º, da Constituição Federal de 1988, pelo necessário aumento de despesas, sem correspondente previsão orçamentária. Na ementa da ADI n. 6298 DF consta que:


DIREITO PROCESSUAL PENAL. ART. 3º-A, 3°-B, 3°- C, 3°-D, 3°-E e 3°-F DO CPP. JUIZ DAS GARANTIAS. REGRA DE ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. ARTIGO 96 DA CONSTITUIÇÃO. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. AUSÊNCIA DE DOTAÇÃO ORÇAMENTÁRIA PRÉVIA. ARTIGO 169 DA CONSTITUIÇÃO. AUTONOMIA FINANCEIRA DO PODER JUDICIÁRIO. ARTIGO 96 DA CONSTITUIÇÃO. IMPACTO SISTÊMICO. ARTIGO 28 DO CPP. ALTERAÇÃO REGRA ARQUIVAMENTO. ARTIGO 28-A DO CPP. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. SISTEMA DE FREIOS E CONTRAPESOS ENTRE ACUSAÇÃO, JUIZ E DEFESA. ARTIGO 310, §4º, DO CPP. RELAXAMENTO AUTOMÁTICO DA PRISÃO. AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA. PROPORCIONALIDADE. FUMUS BONI IURIS. PERICULUM IN MORA. MEDIDAS CAUTELARES PARCIALMENTE DEFERIDAS. (BRASIL, 2020).


Conforme o Ministro Luiz Fux, as alterações nas regras da organização judiciária criminal do Brasil com a instituição do juiz das garantias são substanciais, o que aponta um vício de competência e iniciativa legislativa, já que é de competência privativa do Supremo Tribunal Federal (STF) a propositura de lei que venha a alterar a organização judiciária (art. 96, I, “d” e II, “b” e “d”, da Constituição Federal de 1988). Verifica-se nesse ponto um vício formal do art. 3º da Lei n. 13.964/2019.

Nesse mesmo sentido, consta na ADI n. 6299 DF que a instituição do juiz das garantias “não se enquadra propriamente como processuais, na medida em que revestida de caráter eminentemente estrutural, comprometendo a organização judiciária em todos os entes federados” (BRASIL, 2020, p. 4). Suxberger (2020, p. 108) complementa explicando que:


Se a preocupação é assegurar imparcialidade objetiva ao julgador, o tema guarda muito mais propriedade com a organização judiciária, com as definições de competência funcional de acordo com a fase da persecução penal, que propriamente com a criação de impedimento objetivo do juiz independente do juízo competente para o feito. Em verdade, a experiência das centrais de inquérito deveria no mínimo prestar-se como material a ensejar uma avaliação legislativa ex ante do instituto do juiz das garantias.


Assim, ratifica-se o vício formal por vícios de competência e iniciativa legislativa, bem como pela violação ao pacto federativo, visto que o legislador federal tratou sobre a fase pré-processual do inquérito, de competência Estadual. De acordo com Cunha (2020), além desses vícios formais verificados, a Lei n. 13.964/2019 ignora princípios basilares como o da isonomia e do juiz natural. Isso, porque, não prever o juiz das garantias no âmbito dos Tribunais e inobserva a jurisdição uma e indivisível, considerando que há apenas um juiz natural criminal (estadual ou federal).

Sobre a segurança jurídica, Suxberger (2020) afirma que a falta de coerência redacional da legislação, assim como dos demais vícios que parecem falhar em inobservância à Constituição Federal do país implica em afronta à segurança jurídica. O autor ressalta ainda que a falta de uma discussão anterior à inovação legislativa traz consigo uma afronta à boa-fé dos destinatários da norma.

No que diz respeito ao vício material, destaca-se o aumento das despesas trazidos pela presença de um juiz das garantias sem qualquer previsão orçamentária. Cunha (2020) explica que, como 40% das varas estaduais no Brasil possuem apenas um magistrado encarregado da jurisdição, com o impedimento de um mesmo juiz atuar nas fases de inquérito e de instrução, despesas seriam necessárias para alocar outro juiz, que provavelmente viria outra comarca, gerando custos de deslocamento. Para que esse obstáculo seja mitigado, seria imprescindível o aumento do quadro de juízes e servidores, consequentemente, esbarra nas questões orçamentárias.

Diante do exposto, é possível verificar a inconstitucionalidade dos artigos 3º da Lei n. 13.964/2019, com a figura do juiz das garantias sendo suspensa por tempo indeterminado pelo STF em julgamento às ADI impostas, justificando-se pelos vícios formais e material. A instituição do juiz das garantias mostrou-se falha, em uma lei mal elaborada que mais prejudicaria ao sistema processual brasileiro do que contribuiria para fortalecer o sistema acusatório.


CONCLUSÃO


O Brasil, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, é oficialmente um Estado Democrático de Direito, que tem como principal função o atendimento dos direitos fundamentais de todos os seus cidadãos e a manutenção da paz social, devendo o processo penal ser basilado nessa premissa.

A imparcialidade do juiz foi descrita como um princípio implícito do processo penal, podendo ser entendido como derivado do princípio do juiz natural e do direito individual ao contraditório e à ampla defesa. Foi constatado que a função persuasiva da prova considera os determinantes pessoais do juiz podendo influenciar na tomada de decisão, devendo haver uma ligação cognitiva com os fatos, limitando o processo de convencimento do julgador.

Se por um lado, tem-se a prova como um meio em que se busca a verdade para possibilitar uma decisão justa, por outro lado problematiza-se a noção da verdade no processo, sustentando a prova como um elemento que direciona ao convencimento do julgador em que se ressalta a função estratégica da atuação das partes para se tenha um resultado processual positivo. Nesse ponto lembra-se que a imparcialidade do juiz não se confunde com neutralidade.

O juiz das garantias foi analisado neste estudo considerando as polêmicas que giram em torno do assunto. Analisou-se sua constitucionalidade tomando como base as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) enviadas ao Supremo Tribunal Federal (STF). Os resultados demonstraram que não há um questionamento sobre a constitucionalidade da figura do juiz das garantias em si, mas sim à letra de lei que, de forma mal elaborada, trouxe vícios formais e materiais que afrontam a Constituição Federal brasileira de 1988.

O juiz das garantias foi demonstrado como uma forma de fortalecer o sistema acusatório brasileiro, porém, esbarrou em vícios formais e materiais que tornaram sua implementação neste momento, os quais: violação da Constituição Federal de 1988 por vícios de competência e iniciativa legislativa; violação ao pacto federativo; violação aos princípios do juiz natural, da isonomia e da segurança jurídica; violação ao art. 169, §1º, da Constituição Federal de 1988, pelo necessário aumento de despesas, sem correspondente previsão orçamentária. Os vícios levaram à suspensão desse órgão jurisdicional por tempo indeterminado.


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